Acho que na verdade todo mundo quer ser lido, quer ser entendido, quer ser o centro do mundo de alguém durante aquele breve instante em que estão lendo seu texto. Nos blogs isso é ainda mais claro, porque por mais que alguém diga que está escrevendo apenas para si mesmo, um blog público é sempre uma exposição do que quer que se publique ali. E quem quer se mostrar desse jeito, quer ser visto, quer que falem de si.
Existe um texto de Henry Miller, em que ele fala da relação entre escritor e escrita. O trecho que mais gosto é o seguinte:
O processo de colocar palavras no papel equivale a tomar um narcótico. Observando o crescimento de um livro sob suas mãos, o autor incha-se com ilusões de grandeza. - Eu também sou um conquistador... talvez o maior dos conquistadores! O meu dia está chegando. Escravizarei o mundo... pela mágica das palavras... - Et coetera ad nauseam.E não seria isso mesmo que todo escritor quer? Conquistar o mundo com suas palavras, fazer com que todos se curvem às suas idéias e opiniões. Voltando ao exemplo dos blogs, é difícil ver alguém que continue postando regularmente se não tiver comentários, se não tiver aquele pequeno registro de que alguém leu, de que alguém passou por ali e lhe deu atenção. Um blog abandonado pelos leitores, em breve será abandonado pelo escritor também - provavelmente depois de um post indignado sobre ninguém comentar seus textos.
O que acontece é que nos blogs, se você quer ser comentado, tem que ir comentar os textos dos outros também. É assim desde 2002 quando fiz meu primeiro blog, isso não vai mudar. Seu público fiel não vai brotar do chão e te seguir para todo o sempre, amém. Foi por isso mesmo que coloquei meus selos sob o título "A Máfia dos Selos" aí ao lado. Não é isso mesmo? Você recebe o selo, tem que linkar quem te deu, e passa para mais X pessoas, que vão ter que te linkar também. É uma máfia de popularidade, pode apostar!
Para finalizar, vou postar aqui o texto completo do Henry Miller, que citei acima. Eu ia só deixar um link para outra página, mas gostei demais das idéias, e quero registra-las aqui.
Sobre o escritor e a escrita
Escrever, eu meditava, deve ser um ato destituído de vontade. A palavra, como a profunda corrente oceânica, tem que flutuar na superfície de seu próprio impulso. Uma criança não tem nenhuma necessidade de escrever, é inocente. Um homem escreve para destilar o veneno que acumulou devido à sua maneira falsa de vida. Está tentando recapturar sua inocência e no entanto tudo o que consegue fazer (escrevendo) é inocular no mundo o vírus de sua desilusão. Homem nenhum colocaria uma palavra no papel se tivesse a coragem de viver aquilo em que acredita. Sua inspiração é desviada na fonte. Se é um mundo de verdade, beleza e mágica que deseja criar, por que põe milhões de palavras entre si e a realidade daquele mundo? Por que retarda a ação - a não ser que, como outros homens, o que realmente deseje seja o poder, a fama, o sucesso? "Os livros são ações humanas na morte", disse Balzac. No entanto, tendo percebido a verdade, ele deliberadamente entregou o anjo ao demônio que o possuiu.
Um escritor corteja o seu público tão ignominiosamente como um político ou qualquer outro saltimbanco; adora manipular emoções, receitar como um médico, conquistar um lugar para si mesmo, ser reconhecido como uma força, receber a taça cheia de adulação, mesmo que isso demore mil anos. Ele não quer um novo mundo que possa ser estabelecido imediatamente, porque sabe que jamais seria adequado para ele. Quer um mundo impossível em que seja um soberano fantoche sem coroa dominado por forças totalmente fora do seu controle. Contenta-se em dominar insidiosamente - no mundo fictício dos símbolos - porque a simples idéia de contato com realidades rudes e brutais o assusta. Certo, tem um domínio da realidade maior do que outros homens, mas não faz nenhum esforço para impor ao mundo aquela realidade superior pela força do exemplo. Satisfaz-se apenas em pregar, em arrastar-se na esteira de desastres e catástrofes, um profeta crocitante da morte sempre sem honra, sempre apedrejado, sempre evitado por aqueles que, por mais inadequados que sejam para suas tarefas, estão prontos e dispostos a assumir responsabilidades pelos negócios do mundo. O escritor verdadeiramente grande não quer escrever: quer que o mundo seja um lugar em que possa viver a vida da imaginação. A primeira palavra trepidante que põe no papel é a palavra do anjo ferido: dor. O processo de colocar palavras no papel equivale a tomar um narcótico. Observando o crescimento de um livro sob suas mãos, o autor incha-se com ilusões de grandeza. - Eu também sou um conquistador... talvez o maior dos conquistadores! O meu dia está chegando. Escravizarei o mundo... pela mágica das palavras... - Et coetera ad nauseam.
A pequena frase - "Por que não tenta escrever?" - envolvia-me como fizera desde o início, num atoleiro de irremediável confusão. Eu queria encantar, mas não escravizar; queria uma vida mais ampla, mais rica, mas não à custa dos outros; eu queria libertar a imaginação de todos os homens imediatamente, porque sem o apoio do mundo inteiro, sem um mundo imaginativamente unificado, a liberdade da imaginação se torna um vício. Eu não tinha respeito por escrever per se, assim como não o tinha por Deus per se. Ninguém, nenhum princípio, nenhuma idéia tem validez por si mesma. O que é válido é somente aquele tanto - de tudo, Deus incuído - que é realizado por todos os homens em comum. As pessoas sempre se preocupam com o destino do gênio. Eu nunca me preocupei pelo gênio: o gênio toma conta do gênio num homem. Minha preocupação se voltou para o joão-ninguém, para o homem que se perde na confusão, o homem que é tão comum, tão ordinário, que sua presença nem chega a ser notada. Um gênio não inspira outro. Todos os gênios são sanguessugas, por assim dizer. Nutrem-se da mesma fonte - o sangue da vida. A coisa mais importante para um gênio é se fazer inútil, ser absorvido pelo fluxo comum, tornar-se um peixe novo e não uma aberração da natureza. O único benefício, refleti, que o ato de escrever podia me oferecer era eliminar as diferenças que me separavam do próximo. Definitivamente não queria me tornar o artista, no sentido de me tornar algo estranho, algo à parte e fora da corrente da vida.
A melhor coisa que há em escrever não é o labor em si de colocar palavra contra palavra, tijolo sobre tijolo, mas as preliminares, o duro trabalho inicial, que se faz em silêncio, debaixo de quaisquer circunstâncias, em sonho assim como acordado. Em suma, o período de gestação. Homem nenhum jamais consegue escrever o que tencionava dizer: a criação original, que está acontecendo o tempo todo, quer a gente escreva ou não escreva, pertence ao fluxo primário: não tem dimensões, forma ou elemento de tempo. Nesse estado preliminar, que é a criação e não o nascimento, o que desaparece não sofre destruição; algo que já estava ali, algo imperecível como a memória, ou a matéria, ou Deus, é convocado, e a esse algo nos atiramos como um galho numa torrente. Palavras, sentenças, idéias, não importa quão sutis ou engenhosas, os vôos mais loucos da poesia, os sonhos mais profundos, as visões mais alucinantes, nada mais são do que hieróglifos toscos cinzelados em dor e tristeza para comemorar um evento que é intransmissível. Num mundo inteligentemente ordenado não haveria necessidade de fazer a tentativa irracional de registrar tais acontecimentos miraculosos. Na verdade, isso não teria sentido, pois se os homens apenas parassem para refletir, quem se contentaria com a falsificação quando o autêntico está à disposição e ao alcance de todos? Que homem desejaria ligar o rádio e ouvir Beethoven, por exemplo, quando poderia ele mesmo experimentar as harmonias arrebatadoras que Beethoven lutou tão desesperadamente para registrar? Uma grande obra de arte, quando chega a realizar alguma coisa, serve para nos lembrar ou, digamos melhor, para nos pôr a sonhar com tudo aquilo que é fluido e intangível. Vale dizer, o universo. Não pode ser entendida: só pode ser aceita ou rejeitada. Caso aceita, ficamos revitalizados; se for rejeitada, isso nos diminuirá. O que quer que pretenda ser, não o será: é sempre algo mais, a respeito do que nunca se dirá a última palavra. Ela é tudo o que nela colocamos devido à fome daquilo que nos negamos cada dia de nossas vidas. Se nos aceitássemos tão completamente assim, a obra de arte, na verdade o mundo todo da arte, morreria de subnutrição. Todo mortal como nós se movimenta sem os pés pelo menos algumas horas por dia, quando os olhos se fecham e o corpo fica de bruços. A arte de sonhar completamente desperto estará à alçada de todo homem um dia. Muito antes disso os livros terão deixado de existir, pois, quando os homens estiverem inteiramente acordados e sonhando, seus poderes de comunicação (uns com os outros e com o espírito que anima todos os homens) serão tão realçados que farão o ato de escrever parecer-se com os grunhidos ásperos e roucos de um idiota.
Henry Miller, Sexus
8 sussurros do além:
7 de fevereiro de 2009 às 14:53
O interessante é que no post de despedida, enchem de comentários.
De gente que vc nunca imaginou que existia, inclusive.
8 de fevereiro de 2009 às 00:09
é...
9 de fevereiro de 2009 às 12:25
Márcia,
Você tem razão, vira e mexe a gente vê isso mesmo por aí...
Mas não sei se são somente essas as razôes que você apontou, acho que existem outras finalidades também... eu vejo que o blog é uma forma de diário também, onde você vai registrando aquelas coisas que te alegram, despertam a curiosidade te chocam, emocionam etc.
Acho que no blog, as vezes a gente dialóga com a gente mesmo também e desabafa. Talvez isso seja fruto de se estarmos cada vez mais afastados uns dos outros, ou quem sabe é só mais uma forma de comunicação.
De toda forma acho isso tudo muito, muito interessante.
Abração
10 de fevereiro de 2009 às 22:55
Eu costumo pensar nesse lance as vezes também... sobre o ato de escrever.
É algo que considero um tanto mágico e um tanto mundano ao mesmo tempo. É mágico pois você pode criar mundos que não existem, inventar realidades paralelas e tudo mais que puder vir da imaginação.
Por outro lado é mundano no sentido de que tudo que essa mesma imaginação cria se perde no momento que são passadas aquelas ideias para o papel.
A palavra tem sentido limitado e não consegue dar conta de tudo o que vem em nossa cabeça. Entre o pensar e o escrever há uma imensa lacuna.
Sobre quanto o prazer de escrever... também acho que é uma necessidade que é proveniente de que queremos ser compreendidos de algum modo. Um desejo de que nossos pensamentos, sentimentos e angústias sejam expressados de alguma forma... E para isso é necessário o outro. É necessário que alguém nos reconheça de algum modo, para também possamos nos reconhecer no outro.
Acho que é isso que tenho para comentar.
P.S.: E sobre a máfia dos selos devo dizer que ela está atuando a seu favor mais uma vez lá no Marmota.
Beijos
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