Esse é meio recente para ser considerado um revival, mas ainda se encaixa muito bem no momento, e tem uma seqüência a caminho. Então, para ter a história inteira no blog novo, vou postar a primeira parte de novo, agora com título certinho.
A Dama Cinza
Parte 01: Primeiras Convidadas
Ela vestiu o velho vestido cinza mais uma vez, e não havia nada que pudesse ser feito a respeito. O pano puído assentava-lhe confortavelmente no corpo, e apesar da aparência tão gasta, ela sabia que o vestido estaria sempre ali. "Essas coisas duram para sempre", pensou, olhando-se no espelho sem interesse. Suspirou e saiu do quarto, passos lentos de quem não está indo a lugar algum.
Atravessando o corredor, ouviu passos leves e furtivos, acompanhando-a. Não era uma surpresa. Passou por mais dois cômodos até chegar ao hall da frente, e por todo o caminho outros passos juntaram-se aos seus. "Curiosos e oportunistas", pensou consigo mesma. Saiu para a varanda, sentiu a brisa noturna acariciar-lhe os cabelos. Sentou-se nos degraus e esperou.
A primeira figura que se aproximou veio pelo jardim, andando meio encurvada, os olhos carregados de dor, o rosto contorcido pelo sofrimento. Estendeu as mãos para a mulher na escada, que não se moveu.
- Me abrace - disse a figura com voz suplicante.
- Se eu lhe estender a mão, você vai me morder. De novo.
A figura aproximou-se assim mesmo, e sussurrou-lhe muitas coisas ao ouvido. Falou de todas as velhas feridas, mas nada disso abalou a mulher. Eram velhas feridas que talvez nunca cicatrizassem, porém elas já não sangravam mais. Vendo que a mulher não vacilava, a Agonia afastou-se, arrastando-se pelo jardim. Deixava sua sombra pairando sobre a mulher. Talvez para sempre.
Em seguida, uma velha aproximou-se silenciosamente pelas suas costas. "Sempre sorrateira", pensou a mulher na escada, sem se mover.
- Você não é mais tão jovem, não é mais aquela adolescente que podia ficar esperando por dias melhores. - disse a velha.
- Não, não sou.
- E o que você tem? Um arremedo de vida. Migalhas de afeto, nos melhores dias. Relacionamentos de muita cortesia e pouca sinceridade...
- Eu tenho isso. - interrompeu a mulher.
A velha calou-se por um momento, olhando ao redor. Havia ali apenas campo aberto até onde os olhos podiam alcançar. Como não havia nada ali que pudesse ser visto, a velha lançou um olhar interrogativo para a mulher na escada, que respondeu calmamente:
- Tenho esse imenso vazio, essa colossal solidão que me cerca, esse isolamento infinito. Foi isso o que construí por toda minha vida. Eu sei disso tão bem quanto você, e sei de todas as minhas dores e desamores. Você pode ficar remoendo essas coisas o quanto quiser, mas não precisa me falar delas, porque eu nunca as esqueço.
Diante da calma com que essas palavras foram ditas, a velha recolheu-se. Não foi embora, apenas afastou-se um pouco, e ficou olhando, resmungando baixo desventuras de toda a vida. A Tristeza não a deixaria tão fácil, era uma velha muito esperta e insistente.
Sentada na escada, a mulher olhava para a noite vazia. Um pequeno enfeite desprendeu-se da barra do seu vestido e rolou pelos degraus, desaparecendo na grama. A mulher passou a mão no tecido onde o enfeite estivera preso, sem dar muita importância. Era apenas mais uma pequena desilusão, apenas mais um pequeno pedaço de beleza que ela perdia.
A mulher sentada na escada permaneceu em silêncio, imóvel. Estava imaginando como uma história assim poderia acabar...
A Dama Cinza
Manifestação de
Márcia Engel
| terça-feira, 1 de julho de 2008 |
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Na gaveta:
meu baú de letras,
vale a pena ler de novo
2 sussurros do além:
2 de julho de 2008 às 18:15
Eu falei pra chamar de as sete damas! humpf... hehehe... Continuação sai esse ano ainda?
11 de julho de 2008 às 19:40
A continuação sai. A conclusão, bom... aí já é outra história =P
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